sexta-feira, 5 de março de 2010

Novo Deserto (Escrito para a quaresma de 2009)

Bairros desabados, casas submersas, vale inundado... Este é o novo deserto o qual muitos são convidados a contemplar nesta quaresma.
É impossível para qualquer brasileiro ignorar o que neste verão aconteceu em Santa Catarina no vale do Itajaí. No entanto, o que mais me admirou foi a reação de muitos dos afetados pelas chuvas. Não só o ficar sem casa, sem seus pertences, fruto do trabalho de toda uma vida, mas também a perda de muitos entes queridos... Tudo isso é impactante. Porém, o não lamentar (e esta foi a atitude que mais vimos neles), o não se queixar, e o recomeçar a construir é ainda mais impactante. Não porque se mantêm de cabeça erguida diante da própria tragédia, mas porque eles souberam guardar algo, um tesouro, que a particular catástrofe não tirou.

O tesouro que ainda com essas tragédias eles souberam guardar não se improvisa. Este tesouro também, é trabalho de uma vida, fruto da cultura, da educação e do esforço pessoal. Quem conheceu estas pessoas antes deste verão, pode descrever alguns detalhes sobre como eram as suas vidas. O quão típico era numa casa o pão caseiro, a chimia, a cuca e o chimarrão; ao invés da coca-cola, o hambúrguer comprado pronto e o Ketchup. Os meninos jogavam taco ou futebol com os vizinhos e parentes, ao invés de jogos eletrônicos sozinhos com o computador. O trabalho era árduo, mas com animo e amor.

Assim, eles viviam uma vida ancorada no necessário. Vida alegre, feliz, mas austera. Não quero dizer que a comida concreta, a diversão concreta e o trabalho concreto seja o tesouro; mas que o fato de manterem a simplicidade nestas coisas, não solenizando-as com o luxo e ainda assim serem felizes manifesta um tesouro mais valioso que todas estas coisas.

A quaresma é o momento em que os cristãos fazem memória dos 40 dias que Cristo passou no deserto. Ali, Cristo, estando só, jejuou para se preparar para a sua missão no mundo. Neste ano, podemos aprender de Cristo presente nos habitantes do vale do Itajaí. Cristo pode estar de botas para andar no barro, de barco para se mover nos alagamentos... Ali, mostra que não é no luxo do que se come, no possuir muitas riquezas através de um trabalho “chic”, ou na diversão caprichosa e nem no querer escapar dos contratempos que nos vem que está o tesouro da felicidade. Quem é feliz de verdade, ainda que perdendo muita coisa, sofrendo, continua sendo feliz.

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